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Sobre Comer Durante a Diálise

Atualizado: 12 de set. de 2022


Sim? Não? Posso? Não devo? Devo? Porque sim? Porque não? Este artigo vai ajudar a responder a estas perguntas.

Quatro principais questões importa discutir quando se fala neste tópico de comer durante um tratamento de diálise - e que vêm sendo discutidos há já muitos anos na comunidade clínica de nefrologia.


São elas:


1) Existe risco de hipotensão?


2) Existe influência da digestão dos alimentos na eficácia da diálise?


3) Existe benefício para o paciente em termos de nutrição? Ou em termos de controlo da diabetes, se for o caso?


4) E não menos importante: sendo um prazer valorizado por alguns pacientes, compensará os potenciais riscos?


Este artigo vai aflorar sobre a importância destas questões e tentar oferecer algumas respostas.


Existem principalmente 2 campos de opinião em relação a este tópico:


Aqueles que consideram que as refeições durante a diálise devem ser permitidas porque trazem benefícios nutricionais aos pacientes (principalmente aos mais desnutridos e àqueles com falta de apetite para ingerir as suas necessidades energéticas e de nutrientes) - além de trazerem benefícios de bem-estar e de qualidade percecionada do tempo enquanto no tratamento de diálise; e aqueles que acham o contrário, e que consideram que os riscos clínicos são demasiados em relação aos potenciais benefícios nutricionais (riscos de hipotensão e de diminuição da eficácia dialítica).


Deve-se notar que o primeiro grupo não nega a existência dos riscos de hipotensão e de ineficácia dialítica, apenas considera que pesam menos que a vantagem nutricional.


Trata-se de facto de um tema ainda controverso e pouco unânime entre as políticas das diferentes clínicas de diálise no que toca a aconselhar os pacientes sobre fazer ou não fazer refeições durante a diálise. Não só parecem influenciar esta decisão os pressupostos clínicos e evidências científicas mas também a cultura e a geografia: em algumas regiões a política clínica é mais permissiva (ex. EUA), noutras regiões é menos (ex. Europa e Ásia).


Uma revisão da literatura científica sobre esta questão foi publicada recentemente (ou seja, uma análise de estudos científicos existentes), reviu todos os mais relevantes estudos realizados até então sobre este tópico (estudos observacionais e estudos de intervenção) e tirou as seguintes conclusões que nos podem ajudar a pensar melhor uma resposta sobre esta questão. https://academic.oup.com/ndt/article/33/6/917/3870424



RISCO DE HIPOTENSÃO ?


Em relação ao risco de hipotensão os autores reportam:


- que existem de facto reduções da tensão arterial sistólica, diastólica e média; que essas reduções são mais incidentes em pós-prandial (pós-refeição) vs jejum; que estas alterações podem ocorrer imediatamente após a ingestão e antes da digestão; e que as hipotensões sintomáticas também são mais frequentes quando após-refeições intradiálise


- os mecanismos que parecem explicar estas reduções são as respostas-alterações hemo-dinâmicas à ingestão de alimentos, que provocam reencaminhamento/redistribuição do sangue existente para as zonas e processos digestivos, que resultam numa diminuição do volume de sangue vascular (em oposição ao microvascular e esplânico) - em conjunto com insuficiente compensatória contra-resposta fisiológica do ritmo cardíaco e resistência vascular


- com ou sem refeições, a hipotensão é uma complicação frequente em diálise (20-30% dos tratamentos de diálise) e é uma complicação séria além do apenas temporário mal-estar. A hipo-perfusão e hipóxia que caracterizam este fenómeno estão associados a morbilidade, risco de arritmias, isquemia cardíaca e cerebral, trombose do acesso vascular, deterioração mais rápida da função residual. Estes riscos aplicam-se a hipotensões sejam sintomáticas ou assintomáticas



É importante salientar que as reduções nas tensões arteriais reportadas nos estudos anteriores não são insignificantes e podem rondar os -10 mmHg. Tendo em conta que o fenómeno/sintomatologia da hipotensão não se prende apenas com o número absoluto (abaixo de 90/60 mmHg) mas também com a velocidade com que desce.


INFLUÊNCIA NA EFICÁCIA DA DIÁLISE ?


Já em relação à eficácia da diálise:


- existem de facto reduções significativas em dois índices de eficácia de diálise: da URR (urea reduction ratio) e do Kt/V


- por um lado poderá ser excluída como justificação destas reduções o facto de a ingestão de proteína influir compostos nitrógenos no organismo e poder eventualmente influenciar estes índices, visto que foi demonstrado que os índices respondem imediatamente (pré-digestão/absorção) após a ingestão de alimentos proteicos - apontando invés para a causa hemodinâmica (redistribuição do pool de sangue); por outro lado esta evidência não é ainda conclusiva


- sabe-se também que uma refeição 2h antes da diálise (vs jejum pré-diálise) não implica introduz interferências negativas na eficácia da diálise



BENEFÍCIO NUTRICIONAL ?


A questão do benefício nutricional advém de alguns estudos intervencionais e observacionais que testaram a ingestão de suplementos alimentares durante a diálise, com concomitante uso de quelantes de fósforo, e viram resultados positivos em variáveis como (melhoria da) desnutrição, consumo total de calorias e nutrientes, albumina, mortalidade.


No entanto, é reconhecido que estes dados e literatura científica é de menor qualidade (tipos de estudos; tipos de população; indicadores usados para aferir os benefícios [ex. albumina]; uso concomitante de quelantes fósforo; etc), podendo ser deduzido com apenas pouco grau de certeza a existência de reais benefícios. Por enquanto, o benefício pode-se classificar apenas como "potencial". Também nestes estudos não foram contrabalançados os riscos da hipotensão e das alterações hemodinâmicas, por forma a perceber qual o somatório final de todas as importantes variáveis (ie. se os potenciais benefícios nutricionais compensam os riscos).


Por outro lado, pode-se também especular um benefício nutricional de uma ingestão alimentar intra-diálise em pacientes diabéticos tendo em conta: 1) a duração da diálise (longa o suficiente para justificar uma descida da glicemia) e 2) que durante a diálise em pacientes diabéticos pode haver uma tendência (independente do fator tempo) para a descida da glicemia e eventual hipoglicemia (apesar de haver influxo de glicose a partir do banho da máquina precisamente com vista a anular este risco) e também para a hiperglicemia reativa após a diálise (por filtragem da insulina e contra-reação adrenérgica à baixa glicemia), fenómeno mesmo conhecido como “hemodialysis-related hyperglycemia”.



CONCLUSÕES FINAIS


- o aconselhamento sobre as refeições intra-dialíticas é uma questão ainda controversa, sem uma resposta definitiva.


- as refeições intra-dialíticas são um fator de bem-estar valorizado por alguns pacientes.


- existem motivos/riscos reais que devem ser tidos em atenção e não devem ser ignorados (hipotensão, alterações hemodinâmicas, redução da eficácia dialítica).


- existem potenciais benefícios nutricionais e de prognóstico dos pacientes (principalmente em casos de desnutrição, anorexia, diabetes) que não devem ser igualmente ignorados.


- até ao momento existe literatura e evidência científica apenas sobre algumas variáveis e interações, e portanto não é possível ainda concluir com certeza científica sobre se os riscos são maiores ou menores na presença de outras variáveis (por exemplo: populações com outras idades às estudadas, com outras co-morbilidades, com diabetes; efeitos de diferentes tipos de alimentos; interações das medicações; efeito do timing da refeição; da posição aquando da ingestão; etc etc etc)


Neste momento, atendendo aos dados e evidência científica existente, a posição mais racional e prudente será aquela que reduz (leia-se: desaconselha a ingestão) os riscos evitáveis e graves das complicações intra-dialíticas associadas à ingestão de alimentos durante a diálise - principalmente em casos mais suscetíveis: insuficiência / neuropatia autonómica; doença cardiovascular relevante; outros, ao mesmo tempo não ignorando nem prescindindo dos potenciais benefícios que esta intervenção pode oferecer, principalmente nos casos clínicos que mais a justifiquem (ex. idosos, diabéticos, sarcopenia, caquexia, desnutrição).

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/7825766/


Desde 2007 a ERA-EBPG (instituição científica europeia em insuficiência renal) recomenda evitar refeições durante a diálise, precisamente pelos riscos da destabilização hemodinâmica e risco de hipotensão, principalmente em pacientes propensos a hipotensão. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17507425/




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