Neste artigo vamos falar sobre um sintoma recorrente e por vezes muito debilitante em diálise: o Prurido associado à Insuficiência Renal (abreviado, PaIRC).
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INTRODUÇÃO
O prurido associado à diálise pode ser muito desconfortável e pode afetar significativamente a qualidade de vida - física e psicológica - dos acometidos, afetando inclusive a qualidade do sono e a recuperação das diálises.
Este tipo de Prurido associado à diálise é definido como a presença de sintomas de comichão por mais de 6 semanas e é denominado como "Prurido Crónico Associado à Insuficiência Renal" (PCaIR), tendo substituído a designação antiga "Prurido Urémico" de forma a atualizar a denominação aos novos conhecimentos sobre a condição, nomeadamente a não-linearidade entre a urémia e o sintoma.
À parte o critério das 6 semanas, outras características da condição são mais variáveis de doente para doente: pode ser generalizado ou mais localizado a certas partes do corpo; pode afetar mais à noite ou mais durante o dia; pode afetar mais durante a diálise ou mais nas outras partes do dia.
Historicamente é um sintoma conhecido da Insuficiência Renal desde há mais de 100 anos, mesmo antes da "invenção" ou democratização do próprio tratamento da hemodiálise.
Nos primeiros anos do acesso social a tratamentos de diálise (nos anos 60 e 70) praticamente 100% dos pacientes reportavam prurido. Hoje as técnicas e tecnologias de diálise estão mais avançadas e essa percentagem é mais baixa.
As estatísticas são muito variadas entre os estudos que tentam descrever a sua prevalência, mas pode-se dizer que a percentagem (nas várias populações de tratamento de diálise - hemodiálise, peritoneal, ou conservador) não é insignificativa. Os números rondam os 40% dos insuficientes renais acometidos pelo sintoma.
Uma nota importante de salientar é que o prurido crónico em diálise poderá estar sub-reportado (ou seja, é na realidade mais prevalente do que os números aparentemente possam indicar) devido a questões sociais/psicossociais/culturais em que os pacientes não se sentem à vontade para o reportar, ou simplesmente por não verem utilidade em o reportar por não associarem o sintoma com a insuficiência renal; ou também porque muitos médicos não consideram uma condição relativamente prioritária de proativamente indagar/investigar e conversar com o paciente.
Felizmente cada vez mais é reconhecido pelos clínicos a importância deste sintoma do ponto de vista científico e do ponto de vista do impacto na qualidade de vida dos pacientes, e a preocupação médica e a investigação científica caminham hoje de forma cada vez mais ativa na busca de novas e melhores soluções para ajudar no sintoma.
A QUE SE DEVE O PRURIDO ASSOCIADO À INSUFICIÊNCIA RENAL?
À data, apenas ainda se conhece de forma incompleta as causas definitivas do prurido associado à insuficiência renal.
Sabe-se que existem algumas associações com algumas patologias e com parâmetros fisiológicos (descritos mais abaixo) - ou seja, os sintomas são mais reportados em pacientes que apresentam também esses fatores - mas nenhuma dessas associações é transversal a todos os pacientes nem as correlações são fortes o suficiente para se atribuir uma causa (e consequentemente para se definir um alvo para a formulação de medicamentos precisos).
Estes dados sugerem que a causa do prurido pode ter várias origens - afetando pacientes diferente por vias diferentes, apesar de ser o mesmo sintoma - e pode assim ser agravada (ou aliviada) pela presença (ou tratamento) de uma ou mais destas outras variáveis.
São as associações mais relevantes identificadas até hoje:
- Comorbilidades associadas: Diabetes Mellitus; Doença respiratória; Tabagismo; Hipertensão Arterial; Obesidade / IMC alto; Xerose ou pele seca.
- Parâmetros fisiológicos alterados: Hiperfosfatémia; Hipercalcémia; Produto Ca:P; Hiperparatiroidismo; Idade de diálise; Hemoglobina baixa; Leucocitose; Sedimento eritrocitário; Função hepática; Função da tiróide; Ferritina; PCr; Infeção; Coliesterase sérica; Sais biliares; Albumina baixa.
- Outras: eficácia da diálise; idade do paciente; nº comorbilidades; género masculino.
- Medicações: Opióides (M.ag); IECAs; Amiodarona; Análogos estrogénos; Estatinas; Alopurinol.
- O risco do sintoma parece ser independente do tipo de doença renal; do tipo de tratamento de diálise; ou da etnia.
A luz do conhecimento atual aponta portanto para que a causa seja multifatorial, incluindo quer fatores locais, quer fatores sistémicos; fatores metabólicos e fatores psicológicos.
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da PCaIR é feito por 2 passos:
1) Pelo critério de queixas significativas do sintoma por mais de 4 a 6 semanas.
2) Descarte das várias causas primárias possíveis de prurido. Que podem ser várias, desde dermatológicas, a infecciosas, sistémicas, neurológicas, medicamentosas, ou outras (Anexo A1)
Apesar de serem atualmente estudados vários métodos/inquéritos com vista à standardização da avaliação/screening/monitorização desta condição, à data o método mais prático e utilizado na averiguação da severidade do prurido é o simples reporte subjetivo do paciente.
Ex: ‘During the past 4 weeks, to what extent were you bothered by: itchy skin?’ Choices include: (i) not at all bothered; (ii) somewhat bothered; (iii) moderately bothered; (iv) very much bothered; and (v) extremely bothered.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
Felizmente existem várias ferramentas ao dispor dos clínicos para melhorar e controlar o PCaIR, e atualmente existem poucos casos onde a condição afeta o paciente de forma muito significativa.
São essas ferramentas:
- Manter diálises eficazes (Kt/V)
- Aconselhar a evitar a higienização à base de sabão/sabonetes/higienizantes agressivos
- Usar diariamente um creme hidratante pouco espesso, mais aquoso
- Controlar o metabolismo fosfo-cálcio (ou seja, os valores de mensais de Fósforo, Cálcio, PTH, vitD) - através da alimentação, medicação, suplementação, ou outras intervenções, quando indicadas/necessárias (paratiroidectomia ou transplante)
- Evitar as temperaturas altas
- Gerir o stress diário
- Evitar coçar com as unhas e manter o corte das unhas em dia
- Outras medicações/terapias disponíveis (mediante o aconselhamento do nefrologista): anti-histamínicos; gabapantina; analgésicos tópicos; canabinóides tópicos; leucotrienos orais; antidepressivos; opióides (K.ag); fototerapia; terapias alternativas (turmérico, zinco, acupuntura); controlar hipermagnesémia.
Refs:
- Pruritus in Chronic Kidney Disease: An Update. Allergies 2022, 2(3), 87-105.
- Handbook of Dialysis Therapy 6th Ed. Elsevier. 2023.
- UpToDate: /uremic-pruritus.
- Do you feel itchy? A guide towards diagnosis and measurement of chronic kidney disease-associated pruritus in dialysis patients. Cli Kid J, Vol 14, Sup 3, Dec 2021.
- The Early History of Dialysis for Chronic Renal Failure in the United States: A View From Seattle. Blagg CR. 2006. AJKD. Elsevier.
- Chronic Kidney Disease-Associated Pruritus. Toxins (Basel). 2021 Aug; 13(8): 527.
- Harrisons Principles of Internal Medicine V.1&2 (Loscalzo J, Fauci AS, Kasper DL, Houser SL, Longo DL, Jameson JL); p2318.